sexta-feira, 4 de abril de 2008

Concurso público para produtor cultural (mas graduado em comunicação!)


Recebi o e-mail abaixo de meu amigo Álvaro Santi, figura séria e competente que me autorizou ampla divulgação. Impressionante constatar onde alcança o braço corporativista de algumas categorias.

Boa leitura.

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De: Alvaro Santi
Enviada em: quarta-feira, 2 de abril de 2008 11:51
Para:
Assunto: concurso para produtor cultural

Ilma. Sra. Pró-Reitora de Extensão
Sara Viola Rodrigues

Dirijo-me a V. Sa. com o propósito de, antes de tudo, parabenizá-la pela realização de concurso público para preenchimento de vagas de PRODUTOR CULTURAL. A programação cultural dessa Universidade, reconhecida amplamente pela comunidade, sempre primou pela qualidade e pelo acesso universal, pelo menos desde os anos 80, quando do meu ingresso como aluno. E colaborou decisivamente para eu ter escolhido a carreira artística, quando já matriculado no curso de Geologia. No entanto, não posso deixar de registrar minha perplexidade ao saber que é pré-requisito para este cargo a graduação em COMUNICAÇÃO SOCIAL. Difícil entender quais razões nortearam tal exigência. A Universidade considera que seus alunos egressos dos bacharelados e licenciaturas em música, artes cênicas, artes visuais, e mesmo de letras, não têm competência para exercer esta atividade? Outra hipótese que me ocorre seria a submissão à padronização do gosto imposta pela grande mídia, que nos empurra goela abaixo os padrões estéticos que ela mesma elege, sabe-se lá por que motivos; ou simplesmente o anunciante que paga mais. Pode-se também apelar para o entendimento tácito, igualmente difundido pelos meios de comunicação, de que o curso de Comunicação Social (em especial o Jornalismo) confere uma espécie de super-poder aos seus alunos, habilitando-os, com um mínimo de conhecimento, opinar sobre praticamente qualquer área do conhecimento, do futebol à política, passando pela arte, esta já historicamente um campo aberto ao diletantismo. Ou seria uma opção preferencial pela visibilidade do evento artístico, em detrimento da qualidade do seu conteúdo? Ou ainda, uma exigência destinada a defender o mercado de trabalho de uma categoria profissional mais organizada institucionalmente, nefasta infiltração de critérios corporativistas na redação deste Edital? Qualquer uma dessas hipóteses me parece absurda, se confrontada com o valioso trabalho desenvolvido até hoje na área cultural pela Universidade.


Não vai aqui qualquer menosprezo aos profissionais da comunicação, e sim uma defesa ao mesmo tempo da especificidade do conhecimento artístico e da mais ampla oportunidade de trabalho, atendendo à diversidade própria do campo cultural. Exemplifico com um depoimento pessoal: em 1996, a Prefeitura de Porto Alegre realizou concurso para técnicos em cultura, visando criar um quadro de pessoal estável para a SMC, então com poucos anos de existência. Foram abertas vagas para todas as artes, além de ciências sociais, museologia, antropologia e comunicação social. Isto não obstante já haver no quadro profissionais "técnicos em comunicação social". Graças a este concurso, eu e outros ex-alunos da UFRGS tivemos a oportunidade de trabalhar em produção cultural no serviço público. Ainda que a grade curricular do meu curso, meio desconectada da realidade, não tenha me preparado para isso, tenho a pretensão de estar contribuindo desde então para qualificar a gestão pública de cultura, como parte de um corpo funcional bastante diversificado.

Dessa forma, venho apelar a V. Sa.para que suspenda o concurso, retificando o edital com a finalidade de ampliar a possibilidade de acesso a todas as áreas artísticas.


Cordialmente,


Álvaro Santi
Bacharel em Música e Mestre em Letras pela UFRGS
Titular do Conselho Nacional de Política Cultural/MinC
Gerente do FUMPROARTE/SMC

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